
"Psicopatologia Infantil: O que você precisa saber sobre Transtornos do Comportamento e do Desenvolvimento"
Transtornos são resultados de um processo de desenvolvimento: um padrão de adaptação que reflete todo o desenvolvimento da criança até um dado momento.
Normal ou patológico?
Nas clínicas especializadas em psicologia, psiquiatria e neurologia, é cada vez maior o número de atendimentos a crianças e adolescentes. A maioria encaminhada pela escola por problemas de comportamento e de aprendizagem.
Nas escolas, as interrogações são cada vez mais frequentes
"Será que o aluno, de 9 anos, tem TDAH ou “é social”? Ele terá que ser medicado? É “pedagógico” ou “clínico”? O que é que distingue o comportamento normal de um comportamento que é considerado patológico? Transtornos de comportamento são doenças? Podem ser curados? Estas dúvidas estão entre as mais frequentes entre os educadores.
No campo da psicopatologia (a ciência que investiga os chamados transtornos de desenvolvimento, transtornos mentais e transtornos do comportamento), há diversas respostas para essas questões, o que causa maior confusão entre o público leigo.
A maior parte das confusões existe porque as pessoas interpretam conceitos de formas diferentes. Na psicologia, por exemplo, a palavra “doença” tem um significado um tanto diferente do seu significado tradicional, da medicina orgânica. Hoje é mais comum usarmos os termos “transtorno” ou “disfunção”, no lugar de doença. Outros termos que causam confusão são “portador”, “sintomas” e “comorbidade”.
Soluções para essas confusões são oferecidas pela Psicopatologia Desenvolvimental.
Considere o seguinte caso:
Pedro está com febre há cinco dias, sente forte dor de cabeça, náuseas, vontade de vomitar, fraqueza e dor no corpo todo. O médico indicou-lhe um exame e foi constatado que Pedro está infectado com o vírus da dengue. Pedro está doente! Neste caso, podemos dizer que a infecção pelo vírus da dengue “causou” diversos sintomas (febre, dor no corpo etc.) em Pedro.
Agora vamos considerar outra situação:
Pedro frequentemente discute com adultos, desobedece a seus pais, desrespeita seus professores, fala muitas mentiras e culpa os outros quando faz algo de errado, é agressivo, machuca outras crianças e destrói seus brinquedos. O médico psiquiatra junto com um psicólogo, após uma investigação cuidadosa, chegara à conclusão de que Pedro tem Oposição Desafiante (TOD).
Agora, responda: assim como dissemos que o vírus da dengue “causou” os sintomas febre e dor no corpo, podemos dizer também que o TOD “causou” os sintomas desobedecer, agredir, discutir?
A resposta é NÃO!
Quando dizemos que uma criança tem algum transtorno não estamos explicando o porquê dela se comportar de determinada forma. Estamos apenas dando um nome (um rótulo) para o “conjunto de comportamentos”, ou “conjunto de características”, que ela apresenta.
Rótulos não explicam. Dizer que uma criança é bagunceira porque faz bagunça ou que faz bagunça porque é bagunceira são argumentos redundantes, não uma explicação.
"Bagunceira" (adjetivo) e "fazer bagunça" (verbo/ ação) são a mesma coisa, uma não causa a outra.
Outro exemplo:
Roberto tem 1,92m de altura. Roberto é “alto”! Podemos dizer que a altura de Roberto “causou” o 1,92m? Não! Dizer que Roberto tem 1,92m e dizer que ele é alto é a mesma coisa. Quando dizemos que Roberto é alto não estamos explicando o porquê de ele ter 1,92m. Na verdade só estamos dando um nome, rotulando, qualificando seu tamanho.
Ora, se dar nomes não é uma explicação, então como entendemos as “causas” de um transtorno?
Costumamos imaginar que uma pessoa seguiu um curso de desenvolvimento atípico porque ela tem um transtorno (o transtorno causou o desenvolvimento atípico), mas essa forma de pensar é equivocada.
Na verdade, o correto seria dizermos que a pessoa tem um transtorno porque ela seguiu um curso de desenvolvimento atípico (o transtorno é o resultado de um desenvolvimento atípico, não o contrário).
Transtornos são resultados de um processo de desenvolvimento: um padrão de adaptação que reflete todo o desenvolvimento da criança até um dado momento.
O que chamamos de transtorno não é “a causa”, mas sim “o resultado” de um processo de desenvolvimento! É um padrão de adaptação que reflete todo o desenvolvimento da criança até um dado momento.
Por outro lado, lembramos que o que consideramos como “normal” também é resultado de um processo de desenvolvimento.
Para ficar claro, vamos ilustrar o processo de desenvolvimento como uma viagem. Imagine um viajante que sai de um ponto x. O viajante não tem destino planejado, podendo chegar a qualquer lugar (destino a, b, c, d, etc.). Aonde ele vai chegar depende dos caminhos que ele segue, das oportunidades que ele encontra, e dos obstáculos que o atrapalham. Em cada encontro, o viajante vai sendo conduzido por determinado curso. É claro, ele pode dar meia-volta e tomar outro caminho. Mas, quanto mais avança, retornar se torna mais improvável. Voltar ao início de tudo, impossível.
Todos nós somos viajantes.
Cada um, em seu percurso, segue por caminhos diferentes — um curso de desenvolvimento único! Apesar disso, a maioria segue cursos de desenvolvimento parecidos, chegando a resultados esperados. Quando isso acontece, dizemos que essas pessoas seguem um curso de desenvolvimento típico. Quando, por outro lado, elas seguem cursos pouco comuns, chegando a resultados diferentes do que é comumente esperado, dizemos que o desenvolvimento é atípico. A psicopatologia é vista como um desenvolvimento atípico, não como uma doença. É errado pensar o transtorno como algo que a criança “tem” ou “não tem”, como "ter gripe" ou "ter sarampo".
O termo “atípico” significa aquilo que não faz parte do padrão (do “tipo mais comum”). É um conceito necessariamente normativo — o normal e o patológico fazem parte de um mesmo continuo de frequência e intensidade, e são, portanto, considerados juntos e mutuamente definidos. Quando dizemos que eles são considerados juntos, o que queremos dizer é que as mesmas “regras de desenvolvimento” aplicam-se tanto ao desenvolvimento típico quanto ao considerado atípico.
Quando nos referimos alguém como “portador” de um transtorno, queremos dizer que a pessoa seguiu um curso de desenvolvimento atípico. O problema com este termo (“portador”) é que ele passa a ideia de que alguma “coisa” é transportada (carregada, portada) pela pessoa, quando na verdade é algo que a constitui, construída ao longo de seu desenvolvimento. Os transtornos não são entidades estáveis, mas sequências de desenvolvimento em evolução constante. A criança não "tem" transtorno de conduta ou ansiedade — como pode "ter" dengue — mas desenvolve um modo de funcionamento em que os aspectos desses transtornos se tornam cada vez mais característicos de seu comportamento.
- Eduardo de Rezende